segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A mãe tem legitimidade para reclamar pensões de alimentos que se venceram durante a menoridade

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES. LEGITIMIDADE. Apesar do filho ter atingido a maioridade, a mãe requerente tem legitimidade para exigir do progenitor faltoso o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas pelo pai durante a menoridade do filho. Disposições aplicadas: art. 181.1 OTM
arts. 130, 397, 592.1, 1879, 1905.1, 1906.2 e 2005.1 CC


Jurisprudência relacionada:

No mesmo sentido, Ac. TRL de 05-12-2002 (in CJ, 2002, V, 90)






Texto
Acordam na secção cível da Relação de Lisboa:
I - Relatório
C deduziu, em 4 de Junho de 2007, este incidente de incumprimento da regulação do poder paternal contra R pedindo o pagamento da quantia de EUR 9.000,00, respeitante às prestações de alimentos em dívida, acrescida de juros legais.
Para tanto, em síntese, alegou que, segundo foi fixado no regime do poder paternal relativo ao menor M ficou o requerido obrigado a entregar-lhe, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de EUR 150,00, mas o requerido de Junho de 2002 a Maio de 2007 não pagou qualquer quantia.
O requerido, na sua alegação, concluiu, além do mais, por a requerente dever ser considerada parte ilegítima.
Para o efeito, em síntese, alegou que foi determinado pelo tribunal que procedesse à entrega de EUR 150,00 mensais a título de pensão de alimentos devida ao menor M mas este, nascido a 4 de Fevereiro de 1989, já perfez 18 anos de idade e assim, deixando de ser menor de idade e de estar abrangido pelo poder paternal dos seus progenitores, cessou o direito de representação da requerente que deve ser considerada parte ilegítima.
A requerente, alegando que efectivamente o M completou 18 anos de idade em Fevereiro de 2007, veio reduzir o pedido para a quantia de EUR 8.550,00.
O Ministério Público foi de parecer de que a requerente carece de legitimidade para deduzir o incidente.
Considerou para o seu parecer, em síntese, que o M atingiu a maioridade em 4 de Fevereiro de 2007, que desde então a requerente deixou de representar o seu filho, que a pensão de alimentos fixada na regulação do poder paternal e devida até o filho atingir a maioridade é estabelecida em favor deste e é ele que é credor da mesma, designadamente de eventuais prestações alimentícias que não tenham sido pagas, pelo que, tendo o M plena capacidade de exercício de direitos como já acontecia aquando da instauração do incidente, se verifica a excepção dilatória da ilegitimidade da requerente.
Foi depois proferido despacho que julgou verificada a excepção da ilegitimidade da requerente e absolveu o requerido da instância.
Nele, essencialmente, ponderou-se o seguinte: «Conforme certidão de fls. 8 dos autos de regulação de que o presente incidente depende, o filho M perfez dezoito anos, atingindo a maioridade, em 4/2/2007.
É, assim, capaz para exercer os seus direitos, tendo legitimidade activa para o presente incidente.
A requerente é parte ilegítima.
A ilegitimidade singular é insuprível.
Cumpre decidir em conformidade devendo o filho do requerido, se o quiser, instaurar pessoalmente novo incidente.»
Deste despacho interpõe a requerente este recurso de agravo apresentado as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1ª- É assim destituído de fundamento (legal, jurisprudencial e doutrinal) o entendimento de que é parte ilegítima em incidente de "incumprimento da prestação de alimentos devidos a menor, nos termos do art.° 181. ° da OTM," a mãe requerente, por o filho ter atingido a maioridade;
2ª- E que deve ser o filho, que já atingiu a maioridade, a reclamar as quantias devidas a título de pensão de alimentos que deveriam ser pagas à mãe (conforme acordo paternal), no período em que este foi menor;
3ª- Não obstante as prestações pedidas, reportarem-se às prestações de alimentos nunca pagas à mãe, até este ter atingido a maioridade, devidas por acordo do poder paternal homologado judicialmente;
4ª-Tal entendimento não tem qualquer cabimento legal, pois o montante da pensão de alimentos mensal devido ao menor até este atingir a maioridade, que o pai estava obrigado a pagar à mãe mensalmente, indispensável ao sustento, habitação e vestuário e instrução e educação e alimentos do menor são pagos à mãe, a fim de evitar que a progenitora suporte as despesas com o menor sozinha;
5ª- Pelo que não faz qualquer sentido o despacho em crise concluir que: "... devendo o filho do requerido, se o quiser, instaurar novo incidente" pois o filho é que seria parte ilegítima ao reclamar pensões de alimentos devidas à mãe;
6ª- Pois foi esta sozinha que suportou todos os encargos com o menor, pelo que as prestações da pensão de alimentos não pagas pelo pai, a esta e só à mãe são devidas, e não ao filho que agora já é maior;
7ª- Pelo que face ao exposto não deverá ser considerada parte ilegítima no incumprimento da prestação de alimentos devidos a menor, nos termos do artigo 181° da O.T.M. a mãe, apenas porque o filho atingiu a maioridade.
Termos em que pede a revogação da decisão recorrida.
O requerido contra-alegou concluindo assim:
1ª- Bem andou o Ex.mo Sr. Magistrado do Tribunal "a quo" em relevar a ilegitimidade processual da requerente;
2ª- Pois que a presente acção deu entrada em juízo já após o Mickael ter completado os 18 anos de idade;
3ª- Sendo certo que a decisão recorrida faz apelo ao próprio menor (que já o não é), para, querendo, ser o mesmo a intentar a acção pelo "alegado" incumprimento alimentício!;
4- Devendo ser rejeitado o recurso, por ser manifestamente improcedente;
Foi proferido despacho a sustentar a decisão recorrida.
II- Fundamentação
Face ao descrito desenvolvimento processual e perante as conclusões da alegação da recorrente a questão deste recurso é apreciar se a maioridade do filho retira à requerente legitimidade para exigir pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas pelo pai durante a menoridade do filho.
A requerente alega que o requerido, pelo regime do poder paternal fixado para o menor M ficou obrigado a entregar-lhe, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de EUR 150,00, que não pagou desde Junho de 2002 a Maio de 2007 no montante de EUR 9.000,00.
Depois, porque o menor completou 18 anos de idade em Fevereiro de 2007, veio reduzir o pedido de pagamento das prestações vencidas de EUR 9.000,00 para EUR 8.550,00.
Como a redução do pedido não chegou a ser admitida cumpre apurar se, das prestações de alimentos vencidas e não pagas de Junho de 2002 a Maio de 2007, a requerente tem legitimidade para exigir o pagamento das prestações vencidas durante a menoridade do filho, ou sejam as vencidas de Junho de 2002 a Janeiro de 2007.
É certo, de acordo com o disposto nos artigos 130º e 1905º, n.º 1, do Código Civil, que com a maioridade se adquire plena capacidade de exercício de direitos e que os alimentos fixados na regulação do exercício do poder paternal são devidos ao filho.
Contudo cumpre ponderar que o progenitor a quem se encontra confiado o filho suporta, na normalidade do dia a dia, as despesas necessárias a prover a segurança, saúde, educação e sustento do menor.
Assim bem se pode entender que se «o filho maior não requer a realização coactiva da prestação alimentar contra o progenitor que a ela estava obrigado, tem de aceitar-se que o progenitor que dele cuidou e lhe prestou, exclusivamente, alimentos, provendo ao seu sustento, segurança, saúde e educação na medida das suas capacidades (citado artigo 1879º) durante a sua menoridade, possa tornar efectivas as prestações em dívida, mesmo que fixadas em sentença proferida durante a menoridade do alimentando, ao abrigo da figura da sub-rogação legal de harmonia com o disposto o artigo 592º, n.º 1, do Código Civil»(1).
Certo, visto o disposto nos artigos 397º, 1906º, n.º 2, e 2005º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil, é que para cumprir com a sua obrigação deve o outro progenitor entregar o montante de prestação alimentícia ao progenitor a quem está confiado o filho.
Consequentemente no artigo 181º, n.º 1, da O.T.M., aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, estabelece-se, além do mais, que se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo.
Confere-se, portanto, ao progenitor a quem o filho foi confiado legitimidade para, através desse incidente, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento das prestações de alimentos vencidas e não pagas.
As prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da menoridade não deixam de ser relativas à situação do menor por este ter atingido a maioridade.
Efectivamente cumpre ponderar que nada justifica que o filho, atingida a maioridade, deva beneficiar do pagamento dos montantes correspondentes às prestações de alimentos vencidas e não pagas no decurso da sua menoridade e que, precisamente, se destinam a ressarcir as despesas havidas para prover à sua segurança, saúde, educação e sustento durante a sua menoridade.
Consequentemente, apesar do filho ter atingido a maioridade, o progenitor a quem deviam ter sido entregues as prestações de alimentos, vencidas e não pagas no decurso da menoridade do filho, não deixa de ter legitimidade para, através do incidente em apreço, exigir do outro o cumprimento coercivo da obrigação de pagamento dessas prestações.
De todo o modo reconhecer-se, como se reconhece, à requerente legitimidade para deduzir o incidente de incumprimento relativo às prestações vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, mesmo depois deste ter atingido a maioridade, é «solução que, além do apoio legal referido, se considera mais adequada à realidade da vivência que envolve a problemática do cumprimento no tocante às prestações alimentares e, por isso, mais justa»(2).


III- Decisão
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e assim, revogando a decisão recorrida nessa medida, deve esta decisão ser substituída por outra que reconheça legitimidade à requerente para deduzir o incidente apenas no tocante às prestações de alimentos vencidas e não pagas durante a menoridade do M. Lisboa, 9.12.2008
José Augusto Ramos
João Aveiro Pereira
Rui Moura

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(1) Cfr. Ac. R.L., de 5/12/2002, C.J. 2002, V, 90--------------------------------------------------------------------------------

(2) Cfr. Ac. R.L., de 5/12/2002, C.J. 2002, V, 90.

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