quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Acordão de 7/1/2009- Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa
Recurso Penal
Resumo:
1-O juíz não deve tecer considerações quanto à decisão de os arguidos exercerem o direito ao silêncio, nem aconselhá-los a, no caso de prestarem declarações a fazerem-no com verdade;
2-O facto do presidente do tribunal colectivo após ter detectado contradições entre os depoimentos prestados na audiência por duas testemunhas nela inquiridas e aqueles que se encontravam registados nos autos de inquirição dessas mesmas pessoas elaborados na fase de inquérito, ter auscultado os restantes sujeitos processuais para saber se eles estavam de acordo em que se efectuasse a sua leitura não permite afirmar que «o Tribunal “a quo” … antes mesmo de iniciar o julgamento e ser produzida a prova, já adquirira a convicção sobre a culpabilidade do aqui recorrente, através da leitura dos autos, particularmente de declarações e depoimentos que não estavam, nem vieram a ser produzidos em audiência de julgamento».
3-A presunção de inocência «impõe a consagração de um sistema de tipo acusatório, do qual seja excluída a obrigação de o arguido demonstrar a sua inocência, recaindo sobre a acusação a obrigação de produzir prova plena da culpabilidade. Em caso de dúvida o juiz só poderá absolver, sem que para o absolvido decorram quaisquer consequências negativas»
4 – A capacidade demonstrativa da prova indirecta não é determinável de um modo apriorístico e puramente formal. «Só em sede de valoração final do material probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova directa em relação à prova indiciária e vice-versa». «Um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova directa ou demonstrativa».
5 – A particularidade da prova indiciária ou circunstancial tem a ver com a necessidade de estabelecer «uma conexão inferencial por meio da qual o julgador estabelece um vínculo entre uma circunstância e o facto em discussão». Se esta inferência é possível, a circunstância servirá para sustentar uma conclusão relativa à verdade de um enunciado sobre o facto em litígio.
6 – «O nível de apoio que uma versão do facto pode receber desta prova depende de duas ordens de factores: o grau de credibilidade que a prova confere à afirmação da existência do facto secundário; e o grau de credibilidade da inferência que assenta na premissa constituída por esta mesma afirmação». A credibilidade deste último factor «depende essencialmente da natureza da “regra de inferência” que se utiliza para extrair do facto secundário conclusões idóneas para confirmar o facto principal».
7 – Embora se trate de uma prova de natureza indutiva que, como todo o conhecimento baseado em raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável, não é, por isso, e à partida, menos fiável do que a prova directa, que também pressupõe operações de natureza indutiva.
8 – Em geral, a força probatória dos indícios resulta da sua independência, concordância e pluralidade.
9 – A falta de elaboração de relatório social, quando ele seja necessário, consubstancia um vício do procedimento.
10 – Por isso, não tendo sido suscitada a questão perante o tribunal recorrido, o tribunal “ad quem” apenas poderia apreciar esta questão se ela implicasse a existência de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, essa sim uma deficiência de que padeceria o próprio acórdão.
Relatório:
O arguido X foi julgado e condenado no Tribunal pela prática de 8 crimes de notação técnica.
art- 258º nº2, por referência `alinea c) do nº 1, do art 255, alinea b) e 26 do CP
Foi condenado em cúmulo na pena única de 700 dias de multa à taxa diária de 8 euros, o que perfaz a quantia de 5600 euros.
(notas) o arguido dedicava-se à pratica de viciar tacógrafos-
Relativamente aos factos provados remetemo-nos para o texto do acordão
Sobre prova indiciária com interesse STJ 12/9/2007
A prova do facto criminoso nem sempre é directa , de percepção imediata , muitas vezes é necessário fazer uso dos indicios.
“Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura” (J. M. Asencio Melado, Presunción de Inocência y Prueba Indiciária, 1992, citado por Euclides Dâmaso Simões, in Prova Indiciária, revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 205). III - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
IV – A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
V – O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência nas suas passagens mais elucidativas».
Isto dito, e pese embora o facto de se não terem apurado muitos dos factos que circunstanciavam o cometimento dos crimes, da prova produzida resultou de forma concludente ter sido o arguido T... a viciar os aparelhos de tacógrafo que equipavam os veículos com as matrículas NR, ME, ND, RM, RI, PA, UD e TI.
Com efeito, e reconhecendo que a prova produzida é toda ela indirecta – ninguém afirmou em audiência ter visto o arguido T...a executar a viciação ou sequer junto dos veículos em causa – ainda assim foi recolhido todo um feixe de indícios que, sem qualquer margem para dúvida, apontou o arguido como autor material das viciações.
Assim, e antes de mais, resulta dos exames efectuados aos tacógrafos em causa e que constam de fls. 9, 304 a 310, 579 a 583, 586 a 590 e 572 a 576, exames cuja validade, refira-se, não foi questionada, que os mesmos se encontravam viciados pela introdução de um sistema que, uma vez accionado através de controlo remoto, adulterava a notação produzida no diagrama introduzido no tacógrafo, procedendo ao registo de períodos de circulação como se a viatura estivesse em descanso permitindo ainda, nalguns casos, que a velocidade registada não correspondesse à velocidade instantânea a que o veículo circulava, não ultrapassando um valor previamente memorizado.
A viciação dos tacógrafos instalados nos veículos com as matrículas RI e TI resultou demonstrada pelos depoimentos das testemunhas I... e AB..., corroborados pela entrega efectuada nos autos por iniciativa dos próprios arguidos H... e P...: do comando e do “chip” viciador, no caso do primeiro, acompanhados de cópia do cheque emitido à ordem do arguido T...e de um manual dito “XPTO” (cfr. Declaração de fls. 497, auto de apreensão de fls. 498, registos fotográficos de fls. 563 a 566, envelope proveniente da sociedade “D...,Lda” e carta subscrita pelo arguido H... de fls. 738 e 739, cópias do cheque a fls. 740 e do referido “manual” de fls. 741 a 745); pelo arguido P... da placa do tacógrafo com vestígios de cola e respectivo comando (cf. fls. 821, 822 e registos fotográficos de fls. 823 a 825).
Com efeito, tendo a viatura RI, da marca MAN, de cor azul, propriedade da D...,Lda, sido fiscalizada em 27 de Outubro de 2003, logo se constatou que a placa do tacógrafo evidenciava sinais de cola, o que constitui um indício de viciação (cf. fls. 492 a 496). Na sequência de tal operação de fiscalização veio o arguido a subscrever a declaração de fls. 497, tendo sido entregue nos autos o comando e o “chip” apreendidos nos termos do auto de fls. 498.
Ouvida a testemunha I..., em depoimento insuspeito, declarou conhecer bem o arguido H... que, a dada altura, data esta que não pôde precisar, lhe solicitou que removesse um aparato que tinha atrás do tacógrafo, o que fez, tendo feito entrega do componente removido ao arguido. Esclareceu a testemunha que à época trabalhava por conta da “H..., Lda”, onde desempenhou até há cerca de 4 anos atrás as funções de electricista auto e reparador de tacógrafos, descrevendo que retirou do tacógrafo uma placa com fios. A instância feita, declarou não saber se tal componente era ou não accionado por comando ou de que forma interferia com o regular funcionamento do tacógrafo, mas o que resultou inequívoco do seu depoimento foi a consciência, por parte do arguido H…, que se tratava de uma viciação proibida, e tanto assim que solicitou à testemunha que removesse o aludido aparato porque queria “pôr aquilo legal” (sic).
Embora a testemunha não tivesse já memória, aquando da sua audição em audiência, de ter feito entrega de um “chip” removido de uma outra viatura, consta de fls. 502 e 503 dos autos que assim sucedeu. E que tal “chip” viciador foi removido da viatura TI resultou do relato feito pela aludida testemunha AB..., patrão do dito I... com referência a Setembro de 2003. Em depoimento igualmente insuspeito, a testemunha recordava-se do condutor da viatura cujo tacógrafo havia sido reparado (reparação a que se reporta a factura de fls. 903, com a qual foi confrontado) o ter encontrado após a viatura ter sido entregue e lhe ter perguntado se o seu empregado tinha retirado a placa. Questionou o referido I... a esse respeito, tendo este confirmado que havia retirado do tacógrafo a tal peça. E é na sequência destas diligências que o arguido Vicente, de forma espontânea, faz entrega nos autos da placa com vestígios de viciação e comando que mantinha em seu poder.
De realçar ainda que não só a viciação verificada nos veículos em causa obedece a um determinado método, o que indicia estarmos perante o mesmo falsificador, como os materiais utilizados em todos os casos são da mesma marca (chips, comandos e receptores), sendo de destacar as quantidades de equipamento similar adquiridas pelo arguido T...no período que nos ocupa, como o demonstram as facturas de fls. 608 a 618, conjugadas com as informações de fls. 620 a 622 e 698. Tais aquisições foram na audiência confirmadas pelas testemunhas AC..., vendedor por conta da “AD...”, e AE..., gerente da impor/expor, que deu lugar à “AD...”, na qual exerce igualmente funções de gerência, as quais, como é bom de ver, nenhum interesse tinham na causa, tendo deposto com isenção. Confrontado este último com a informação de fls. 620 a 622, declarou recordar-se das referências aí mencionadas, confirmando que, surgindo as mesmas nas facturas atinentes às vendas efectuadas ao arguido, tal significa sem dúvida que o equipamento foi por este adquirido. É certo que, questionadas ambas as testemunhas, admitiram que o equipamento em causa tem múltiplas aplicações, mas tal não invalida a circunstância/indício fornecido pelo facto dos componentes encontrados no sistema viciador dos tacógrafos serem em tudo idênticos aos adquiridos pelo arguido, tal como ocorreu com os chips (cf. o teor do ofício de fls. 625 e a resposta de fls. 698). Acresce que efectuado exame pericial aos vestígios de cola existentes nos tacógrafos n.ºs 1982576 e 3863872, confirmou-se serem em tudo semelhantes à cola fixa + apreendida na residência do arguido (cf. Relatório pericial de fls. 925 a 931) o que, se não é um indício conclusivo, não deixa de ser mais um a apontar na mesma direcção.
Acresce que o dito manual “XPTO” em poder dos arguidos G... (cf. Auto de apreensão de fls. 443 e fls. 444 a 449) e H... (fls. 737 e 741 a 745) é em tudo semelhante à versão impressa apreendida ao arguido T... (vide fls. 463 a 472) e àquela registada no CD que lhe foi apreendido. Pretendeu-se que uma versão do manual poderá, em tese, circular livremente em meio informático, podendo ainda ser obtida via Internet, nada permitindo atribuir ao arguido a sua autoria. Não cremos, porém, que tal objecção proceda. Com efeito, em primeiro lugar, nada indicia que se trate de ficheiro transferido por quem quer que seja ou que circule na Net; depois, porque para lá do arguido deter o ficheiro e a sua versão impressa, quanto nele se descreve coincide com a viciação dos aparelhos de tacógrafo apreendidos. Acresce que, analisada a lista telefónica contida no telemóvel apreendido ao arguido e que, a despeito deste ter procurado destruir o aparelho, foi possível recuperar (cf. fls. 598 a 602), e visto o cartão de visita apreendido a fls. 458, resulta demonstrado que o arguido detinha os contactos pelo menos dos arguidos J...,G... e U...
Por outro lado, quando se considere a viciação do tacógrafo instalado na viatura com a matrícula UD, foi a prova produzida clara e abundante no sentido de ter sido o arguido o seu autor. Vejamos:
Ouvido o legal representante da sociedade “F..., Lda.”, a testemunha M..., actualmente reformado, esclareceu que era o enteado, N... que, para além das suas funções de motorista, fazia a gestão do serviço à época. Revelou que a sociedade tinha o carro há pouco tempo, adquirido na Holanda, o que foi confirmado pelo histórico do veículo que veio a ser junto aos autos, quando um rapaz que não conhecia o contactou, dizendo-lhe para arranjar o tacógrafo daquele veículo “porque não estava bom”. A testemunha contactou então o O..., aferidor de tacógrafos, o qual se deslocou à sede da sociedade nesse mesmo dia alegadamente, e no dizer do José Matias, para reparar o aparelho.
Ouvido o filho da antecedente, a testemunha AF…, esclareceu ter sido sócio da “F..., Lda.” até meados do ano de 2004, recordando-se que num fim de semana em que se encontrava, como era usual acontecer, na zona de manutenção dos carros, chegou o aludido Vítor, alegadamente para retirar um tacógrafo que se encontrava avariado, tratando-se daquele que equipava o veículo UD.
Por último, inquirido o mencionado O..., confirmou ter sido chamado pela testemunha M...para ir à empresa remover um tacógrafo que estava avariado, o que fez na tarde desse mesmo dia. Acrescentou que para além do tacógrafo lhe foi entregue um comando, não tendo embora conseguido precisar quem efectuou tal entrega. Acrescentou que embora não esteja credenciado para desmontar tacógrafos, podendo apenas removê-los, ao verificar que aquele tacógrafo em concreto era accionado pelo comando logo concluiu pela sua viciação, encontrando-se precisamente a analisá-lo na sua oficina quando os elementos da BT procederam à sua apreensão.
À luz destes relatos, logo resulta evidenciado um estranho facto, qual seja, o contacto a que aludiu a testemunha M…. Com efeito, cabe questionar a que propósito um estranho, desconhecido do legal representante da empresa proprietária de um veículo, o contacta pessoalmente a fim de promover a reparação de um tacógrafo? Qual seria pois a fonte de conhecimento do tal estranho?
Ora, resulta do RDE de fls. 397 que no dia 11 de Outubro de 2003, dia que recaiu num sábado, o arguido T... foi avistado a falar com a testemunha M..., aparecendo posteriormente o dito O..., que procedeu à remoção do tacógrafo da viatura UD, o qual veio a ser apreendido na sua oficina na 2.ª feira imediata, 13 de Outubro de 2003, como resulta de fls. 398/399 e do auto de apreensão de fls. 400.
Conjugando todos estes elementos resulta claro ter sido o arguido T..., sabedor da viciação por si executada no tacógrafo instalado naquele veículo, a avisar o legal representante da sociedade para proceder à desactivação do sistema, verdadeira finalidade da deslocação do técnico à sede da empresa, aviso a que não terá sido alheia a circunstância daquele arguido ter sido, ele próprio, alvo de busca à residência escassos dois dias antes.
A testemunha AG... depôs sobre o modo como foi fiscalizado quando conduzia a viatura NR, propriedade da sociedade “N…, Lda.” em termos que corroboram a participação de fls. 3 a 6 dos autos, esclarecendo que o veículo havia sido emprestado a solicitação do sócio gerente da sua então entidade patronal, a também testemunha AH..., familiar dos arguidos U...e V.... Invocou mais uma vez o seu desconhecimento da viciação do tacógrafo da viatura, pese embora o facto de ter avistado um comando sobre o “tablier” e ter constatado, na presença dos militares da BT que o abordaram, que accionando o comando este interferia com o funcionamento do aparelho. Acrescentou que na ocasião telefonou ao seu “patrão”, que se deslocou ao local acompanhado do arguido U…, tendo então comparecido um técnico credenciado que removeu o aparelho de tacógrafo instalado no veículo e o substituiu por outro.
O relato assim efectuado foi confirmado pelo aludido AH..., o qual depôs ainda quanto à personalidade e modo de vida de ambos os arguidos U...e V..., que conhece desde sempre.
A testemunha L..., aferidor de tacógrafos e mecânico de profissão, esclareceu que a sociedade “O..., Lda.”, para a qual trabalhava, sendo actualmente também seu sócio gerente, prestava assistência aos veículos da sociedade “E…Lda”, de que é sócio gerente o arguido J.... Recordava-se a testemunha de em dada altura, que não pôde precisar, ter procedido à remoção do tacógrafo instalado num veículo Renault que se encontrava sinistrado e aparcado para reparação numa oficina na …., tendo-se limitado a remover o tacógrafo e a enviá-lo para o aferidor, um tal de AI..., na …, uma vez que não é credenciado para reparar tacógrafos.
Que a testemunha se reporta ao veículo PA e o aparelho de tacógrafo nele instalado se mostrava viciado, resulta do teor da participação de fls. 534/535, declaração manuscrita pelo arguido que consta de fls. 536, auto de apreensão de fls. 537, cópias dos registos de fls. 568 a 570 e exame cujo relatório consta de fls. 586 a 590, tendo sido confirmado pela testemunha AA... que efectivamente a viatura na qual o tacógrafo se encontrava instalado foi localizada numa oficina.
As testemunhas AJ…, AL..., AM..., AN... e AA..., todos à data militares da GNR em serviço na BT e intervenientes na investigação, prestaram depoimentos consistentes, aludindo às suas intervenções e confirmando, em essência, quanto consta das participações e respectivos aditamentos então elaborados. É de destacar o rigoroso e pormenorizado testemunho prestado pelo cabo AA... que, de forma segura e consistente, foi unindo os elos de uma cadeia que, de forma inexorável, conduziu as forças policias até aos arguidos, percurso a cuja reconstituição procedeu, em larga medida, em sede de audiência.
A testemunha afirmou não ter dúvida que as falsificações detectadas tinham a mesma autoria, acrescentando terem sido executadas de forma “espectacular” (sic). Tal afirmação insere-se curiosamente na mesma linha de apreciação que as testemunhas fazem do trabalho e conhecimentos que o arguido T... detém na área da electrónica. Com efeito, a testemunha AO..., que quanto aos factos nada esclareceu, tendo travado conhecimento com o arguido através do N..., legal representante da “P..., Lda.” e que veio igualmente a ser inquirido, não hesitou em afirmar ter-lhe aquele sido apresentado como “muito profissional”. O já mencionado L... aludiu ao facto do arguido ser chamado a apoiar os electricistas da casa em trabalhos mais rigorosos, coisas mais sofisticadas, referindo a testemunha N... ter o T... a reputação de técnico de electrónica conhecedor do assunto. A este respeito, porém, o depoimento mais impressivo foi o prestado por AP, electromecânico que prestou serviço para a KRAUTLI durante cerca de 15 anos, ali tendo deixado de trabalhar há 6/7 anos. Referiu esta testemunha conhecer o arguido T...há cerca de 12/13 anos, tendo-lhe sido introduzido pelo mencionado gerente da “P…Lda”, reconhecendo ser aquele detentor de conhecimentos muito avançados na área da electrónica. Acrescentou que sendo ele próprio técnico credenciado pelo IPQ (ao contrário do que sucede com o arguido, como resulta da informação de fls. 552/553), a este recorreu por diversas vezes para que procedesse à reparação de placas electrónicas, designadamente quando se tratava de avarias complexas.
O tribunal considerou ainda o teor dos demais elementos constantes dos autos, mormente os relatórios de fls. 926 a 931, relatório da perícia efectuada ao equipamento informático do arguido T...que faz o apenso B, relatório de exame de fls. 9, relatórios de exame de fls. 304 a 310, 579 a 583, 586 a 590, 593 a 59[5], 572 a 576 e 979 a 983, cópia de fls. 104, print de fls. 120, registos fotográficos de fls. 122 a 124, 130 a 131, 143 e 153 a 168, RDE de fls. 127 a 128, 132, 136, 137, 144, 150, 152, 169 a 171, 174-175, 177, 179, 344 e 348, guias e termos de entrega de fls. 333, 334, 350, 351, 510, 512 e 513, documentos de fls. 363 a 395, relatório de busca de fls. 418, 421 e 422, autos de apreensão de fls. 419, 423 a 425, fotos de fls. 455 a 457, 462, 473 a 489, documentos de fls. 458 a 465, 474, manual de instruções de fls. 463 a 472, documentos de fls. 598 a 603, cópias das facturas de fls. 608 a 618, documento de fls. 620 a 622, cópia de factura de fls. 653, informação de fls. 698, informação de fls. 765, elementos bancários de fls. 1287 a 1289, folhas de registo de fls. 7/8, foto de fls. 10, relato de diligência externa de fls. 119, fotos de fls. 118, 125 e 126, print de fls. 121, folhas de registo de fls. 258 a 259, autos de apreensão de fls. 262, 266, auto de busca e apreensão de fls. 265, fotos de fls. 277 a 279, relatórios de busca de fls. 441 e 451, auto de busca e apreensão de fls. 443 e 453, manual de instruções de fls. 444 a 449, disquete de fls. 450, relatório de verificação de diagramas de fls. 526 a 533, registos fotográficos de fls. 539 a 540, declaração de fls. 497, auto de apreensão de fls. 498 e 503, fotos de fls. 563 a 566, cópia do cheque de fls. 740, manual de fls. 741 a 745, relatório de verificação de diagramas de fls. 957 a 959, folhas de registo de fls. 960 a 973, declaração de fls. 537, cópias das fotografias de fls. 568 a 570, RDE de fls. 397, autos de apreensão de fls. 401, 402, folhas de registo de fls. 410, relatório de verificação de diagramas de fls. 522, fotografias de fls. 541 a 542, fotos de fls. 567, 823 a 825, documento de fls. 903, fotografias de fls. 799 a 801, auto de apreensão de fls. 802, folhas de registo de fls. 752, fotos de fls. 753 a 756 e 863 a 867, auto de apreensão de fls. 759, auto de apreensão de fls. 857, cópias de fls. 858 a 861, 870 a 877, 890 a 894, fotos de fls. 881 a 882, documentos de fls. 913 e 914, termo de entrega de fls. 1225, auto de apreensão de fls. 1227 e extractos bancários de fls. 1289 e 1434 a 1447.
Conjugados e criticamente apreciados tais elementos probatórios resultou evidente que o arguido T...detinha o conhecimento e os meios técnicos que lhe permitiam proceder às apuradas viciações, cuja autoria inequivocamente lhe pertence.
Quanto aos factos que se não provaram, tratando-se essencialmente de factos instrumentais, tal ficou a dever-se à ausência de prova que os confirmasse, uma vez que sendo do domínio do conhecimento apenas dos arguidos – como é óbvio, a consciência de estarem a praticar um crime determinou o secretismo da operação – não tendo estes prestado declarações, nenhum elemento os corroborou.
Por outro lado, pronunciando-nos agora sobre os factos imputados aos motoristas, os arguidos A..., D... e R..., excluída a sua intervenção do processo viciador do aparelho de tacógrafo – resulta das já invocadas regras da experiência que um motorista não despende, do seu bolso, de quantia destinada a custear uma operação de fiscalização que só beneficia a sua entidade patronal – certo é que nenhum dos mencionados foi surpreendido a actuar sobre o tacógrafo, não tendo sido igualmente apreendido qualquer diagrama cuja notação evidenciasse alteração dos resultados. Deste modo, à míngua de quaisquer outros elementos e fazendo funcionar o princípio “in dubio pro reo”, impôs-se ao tribunal que desse como não provado que os referidos arguidos circularam com o sistema viciador activado, produzindo diagramas com falsas referências.
No que respeita à adulteração do tacógrafo instalado no veículo XX, não logrou apurar-se quando ou a mando de quem a mesma foi levada a cabo. Com efeito, Z..., motorista do veículo por conta da anterior proprietária, uma sociedade denominada “Q...,Lda.” até à sua venda à arguida “I..., Lda.”, asseverou nada ter detectado no mesmo, não tendo sido mais esclarecedoras as declarações da testemunha AQ..., igualmente motorista nesta sociedade, o qual sabia apenas, por ter ouvido dizer, que havia sido detectada viciação no tacógrafo do veículo conduzido pelo R....
Face a tais depoimentos, e na ausência de prova de que o viciador haja sido utilizado – e isto sem prejuízo de obviamente o arguido Vítor ter conhecimento da adulteração, o que resulta desde logo do facto de ter o comando em seu poder aquando da acção de fiscalização, tendo procedido à sua entrega apenas na sequência de insistência por banda da testemunha Joaquim Alcobia – foram os factos em referência dados como não assentes.
No que concerne à personalidade e condições de vida dos arguidos depuseram as testemunhas oferecidas pela defesa, mormente, e no que respeita ao arguido S..., AR..., AS..., AT…, AU... e AV..., pessoas que o conhecem e com ele privam há muitos anos; AX..., motorista da sociedade “N..., Lda.” desde há 12 anos, nessa qualidade convivendo diariamente com os arguidos U...e V..., e AY..., vizinho e amigo dos mesmos arguidos a estes se referiram como pessoas honestas e trabalhadoras; e AZ..., amigo do arguido J... desde a infância, revelou a sua situação familiar e profissional.
Depoimentos pouco credíveis os prestados pela testemunha BA..., tio do arguido S..., para quem e com quem trabalha, tendo o seu testemunho sido perpassado pela preocupação de nada saber, nada ter visto ou ouvido, e também o da testemunha C..., que justificou o seu encontro com o arguido T...com a existência de uma avaria no veículo KC, que pretendia fosse por este reparada mas que afinal, e segundo diagnóstico pelo arguido efectuado, tinha a ver com a bomba injectora, reparação que teria vindo a ser efectuada numa oficina da zona de Leiria. Não obstante o assim declarado, tal não coincide com quanto foi observado e consta do relato de diligência externa que consta de fls. 119, permitindo suspeitar que o encontro em causa não teve por finalidade a eventual detecção, por parte do arguido T..., de qualquer avaria. Não obstante, não permitindo a prova produzida fixar o teor da conversação mantida pelos arguidos, foram os factos em causa dados como não assentes.
Os antecedentes criminais dos arguidos mostram-se certificados a fls. 1057, 1110 a 1125 e 1126/1127.
2 – O arguido T... interpôs recurso desse acórdão.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões:
1. No Acórdão aqui posto em crise foram dados como provados factos que não o poderiam ter sido face à prova produzida em audiência, foi o arguido condenado pela prática de crimes que não cometeu e, sem prescindir, a pena aplicada é excessiva, pelo que se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto e de direito;
2. No Acórdão aqui posto em crise foram violados os princípios da presunção da inocência, da verdade material, da legalidade, da livre apreciação da prova, e também o dever de isenção e imparcialidade;
3. No Acórdão posto em crise foi o arguido T...condenado na pena única de setecentos dias (700) de multa à razão de € 8,00 por dia, pela prática de oito (8) crimes de falsificação de notação técnica, previstos e punidos pelo artigo 258º, n.º 2, por referência à al. c) do n.º 1, em conjugação com o artigo 255°, alínea b), e 26°, todos do Código Penal, bem como, nas custas criminais do processo com taxa de justiça de 04 UC e demais custas do processo;
4. Não podemos deixar de começar por salientar, a este respeito, e a título de questão prévia, que, na formação da convicção, o Tribunal “a quo” deveria ter sempre como presente – o que não teve – que, tal como preceitua o artigo 32°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, "[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (...)", e que deste princípio da presunção de inocência decorre, como salienta JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR, que "partindo ele da ideia que o acusado é, em princípio, inocente (...), a sentença condenatória contra o mesmo só pode pronunciar-se se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar tal ponto de partida" (JOSÉ M. ZUGALDÍA ESPINAR (dir.)/ESTEBAN J. PÉREZ ALONSO (coord.), “Derecho Penal, Parte General”, 2002, pág. 231);
5. Ora, tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência (assim, MERCEDES FERNANDEZ LÓPEZ, “Prueba y presuncion de inocência”, 2005, pág. 143 e nota 89). No fundo, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições não se verificarem no caso concreto (em sentido convergente, vd. NEVIO SCAPINI, “La prova per indizi nel vigente sistema de processo penal”, 2001, pág. 2);
6. E nestes autos claramente deveria ter sido ditada uma absolvição, uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a prática pelo arguido dos oito (8) crimes de falsificação de notação técnica, previstos e punidos pelo artigo 258°, n.º 2, por referência à al. c) do n.º 1, em conjugação com o artigo 255°, alínea b), e 26°, todos do Código Penal;
7. Não há, nem houve, nem era possível, como o próprio Tribunal “a quo” acabou por reconhecer, a prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento, ou seja, não foi, nem podia ser, produzida qualquer prova que incidisse directa ou imediatamente sobre os factos que integram o “thema probandum” do processo, nem sequer foram produzidos ou utilizados outros instrumentos de conhecimento e de representação judicial do facto que, ainda que não representando a realidade histórica fixada no referido “thema probandum”, pudessem ser-lhe reconduzidos através de uma inferência probabilística levada a cabo e assente, não em meras presunções, como efectivamente aconteceu, mas sim em indícios precisos, graves e concordantes;
8. Isto que vem de escrever-se adquire, num caso como o vertente, um particular relevo, já que, para além de não ter sido produzida qualquer prova directa, é diminuta e despicienda a prova indiciária reunida no processo e analisada em audiência;
9. Ora, naturalmente, neste tipo de processo, tendo em conta os concretos crimes em causa, teria o tribunal que proceder com o maior cuidado, objectividade, isenção e rigor, evitando a formulação de um juízo arbitrário ou intuitivo sobre a verificação, ou não, de um facto ou dos próprios crimes;
10. Mais deveria a convicção ser adquirida através de um processo racional, ponderado e maturado, alicerçado e objectivado na análise crítica e concatenada dos diversos dados e contributos carreados pelas provas produzidas, no máximo respeito pelo princípio da presunção da inocência e da verdade material e da legalidade. Mais deveria ter sido respeitado o dever de isenção e imparcialidade. Mesmo que, na convicção dos julgadores, o respeito destes princípios e deveres pudessem resultar na eventual impunidade de um agente de um crime;
11. Contudo, infelizmente, o respeito desses princípios e desses deveres que se impunham e que deveriam ter sido consagrados no douto Acórdão, não ocorreu.
12. O Tribunal “a quo”, apesar do muito respeito que nos merece, não teve o cuidado e o rigor de analisar toda a prova produzida e cuja valoração era legalmente possível e exigível;
13. Mais acresce ainda que, o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião e entendimento, antes mesmo de iniciar o julgamento e ser produzida a prova, já adquirira a convicção sobre a culpabilidade do aqui recorrente, através da leitura dos autos, particularmente de declarações e depoimentos que não estavam, nem vieram a ser produzidos em audiência de julgamento, apesar da iniciativa do Tribunal “a quo” nesse sentido – cf. actas de audiência de julgamento de 27-06-2008 e 10-07-2008 relativamente às determinadas (pelo Tribunal) leituras do depoimentos das testemunhas BA... e C... prestados na fase e inquérito – e estava o mesmo (tribunal) determinado a proferir uma sentença de condenação;
14. Aliás, depois de todos os arguidos presentes terem manifestado o seu propósito de não prestarem declarações – com excepção do arguido M...que prestou declarações apenas confessando a prática do crime de falsificação e também da contra-ordenação imputada à sociedade de que é sócio gerente, e não sobre qualquer crime de falsificação de notação técnica – a Mma. Juiz Presidente decidiu, ao arrepio e em violação dos mais elementares direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagrados (nomeadamente artigo 32°, n.º 8 Constituição da República Portuguesa e artigo 343°, n.º 1 do Código Processo Penal), na primeira sessão de audiência de julgamento, em 26-06-2008, avisar e pressionar – intrometendo-se ilegitimamente no exercício dos direitos de defesa e na privacidade da pessoa sujeita a julgamento – os arguidos a prestarem declarações e falarem sobre os crimes que lhe eram imputados;
15. Encontra-se errada e incorrectamente julgada a matéria de facto vertida nos artigos 1°, 2°, 5°, 8°, 11°, 12°, 19°, 20°, 26°, 27°, 28°, 31°, 32°, 33°, 37°, 38°, 42°, 45°, 47°, 48°, 50°, 52°, 53°, 69°, 70°, 71°, 75° e 86° da douta fundamentação de facto, os quais aqui se dão, por brevidade, por reproduzidos e integrados para todos os efeitos legais;
16. Tal ocorre desde logo porque não foi produzida qualquer prova que permitisse, de forma segura e inequívoca e com um grau mínimo de certeza, dar como provados os factos vertidos nos supra identificados artigos;
17. Não há, nem houve, nem era possível, como o próprio Tribunal “a quo” acabou por reconhecer, a prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento, ou seja, não foi, nem podia ser, produzida qualquer prova que incidisse directa ou imediatamente sobre os factos que integram o “thema probandum” do processo, nem sequer foram produzidos ou utilizados outros instrumentos de conhecimento e de representação judicial do facto que, ainda que não representando a realidade histórica fixada no referido “thema probandum”, pudessem ser-lhe reconduzidos através de uma inferência probabilística levada a cabo e assente, não em meras presunções, como efectivamente aconteceu, mas sim em indícios precisos, graves e concordantes, conforme supra referido;
18. Ora, como o próprio Tribunal “a quo” reconhece “ninguém afirmou em audiência ter visto o arguido T...a executar a viciação ou sequer junto dos veículos em causa”;
19. Acresce que ninguém afirmou em audiência que o arguido T..., sem prescindir os seus conhecimentos e capacidade técnica, fosse o autor das viciações em julgamento, nem sequer o autor do manual que alegadamente era fornecido aos utilizadores das viciações, nem sequer o alegado “modus operandi” de viciação, que seria aparentemente idêntico, tinha uma qualquer assinatura ou “marca de água” que permitisse a quem quer que fosse afirmar que o autor daquela viciações era o arguido T...ou que esta era produzida em território nacional;
20. Nesse sentido ver toda a prova validamente produzida em julgamento, nomeadamente o depoimento prestado pelo senhor Cabo AA..., na audiência de julgamento de 02 de Junho de 2008, cujo depoimento foi considerado pelo douto Tribunal “a quo”, na sua douta fundamentação, como rigoroso e pormenorizado”, o qual, no entender do Tribunal “a quo” “de forma segura e consistente, foi unindo os elos de uma cadeia que, de forma inexorável, conduziu as forças policias até aos arguidos, percurso a cuja reconstituição procedeu, em larga medida, em sede de audiência”, e que aqui parcialmente já reproduzimos algumas passagens, e que se encontra gravado em ficheiro áudio 20080627151030 67591 64742.wma, o qual damos por integrado e reproduzido para todos os efeitos legais;
21. Acresce que, nenhuma prova material foi produzida, nem sequer a aprendida nas buscas a casa do arguido T..., nem qualquer outra prova apreendida ou alegadamente facultada pelos outros co-arguidos, permite apontar ou concluir que o aqui recorrente foi o autor das viciações dos autos. Nomeadamente no que se refere aos tacógrafos alegadamente viciados e instalados nas viaturas com as matrículas ME, ND, RI, PA e TI ou em quaisquer outros;
22. Aliás, o tacógrafo apreendido nos autos na casa do recorrente, nem sequer era do mesmo modelo dos modelos de tacógrafos encontrados instalados nas viaturas dos autos, nem sequer ficou demonstrado, como o próprio Tribunal reconhece no artigo 68º da matéria de facto dada como provada, qual a concreta intervenção que no tacógrafo estava a ser realizada pelo recorrente e com que objectivo (“68. Constatada embora a referida alteração, não foi possível determinar qual o objectivo com ele visado nem o resultado obtido pela mesma”);
23. Mais acresce que, nenhum dos comandos aprendidos nessa busca, eram da marca e modelo alegadamente utilizados para induzir alterações no funcionamento dos tacógrafos instalados nas supra citadas viaturas. A única prova produzida é de o recorrente ter adquirido “equipamento similar” (é o próprio Tribunal “a quo” que o refere) ao alegadamente encontrado nas supra identificadas viaturas. Mas também ficou demonstrado que o citado equipamento pode ser utilizado para diversos fins;
24. Acresce que o facto de se encontrar junta aos autos a cópia de um cheque – cópia cheque junto a fls. 740 dos autos – alegadamente enviado à GNR pelo co-arguido H..., emitido por este último e alegadamente à ordem do arguido T…, nada permite concluir ou indiciar quanto à alegada viciação do tacógrafo instalado no veículo com a matrícula RI, ou a um alegado pagamento pela execução dessa viciação;
25. Pelo exposto, a prova produzida em audiência não permitia logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, nem permitia dar com provado os factos vertidos nos artigos 1°, 2°, 5°, 8°, 11°, 12°, 19°, 20°, 26°, 27°, 28°, 31°, 32°, 33°, 37°, 38°, 42°, 45°, 47°, 48°, 50°, 52°, 53°, 69°, 70°, 71°, 75° e 86° da douta fundamentação, nem por outro lado, poderia conduzir, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência. No fundo, conforme supra referido, do que se trata é de que só se pode condenar alguém se for possível imputar-lhe a realização de todos os pressupostos e condições legais exigidos para o efeito, devendo ditar-se uma absolvição se se provarem factos que neguem a possibilidade dessa imputação, ou se aqueles pressupostos e condições se não se verificarem no caso concreto;
26. E nestes autos claramente deveria ter sido ditada uma absolvição uma vez que, de forma alguma, racional e logicamente, se poderia ter dado como provada a prática pelo arguido dos oito (8) crimes de falsificação de notação técnica, previstos e punidos pelo artigo 258º, n.º 2, por referência à al. c) do n.º 1, em conjugação com o artigo 255º, alínea b), e 26º, todos do Código Penal;
27. Pelo exposto não poderiam ter sido dada como provada a factualidade vertida nos artigos 1°, 2°, 5°, 8°, 11°, 12°, 19°, 20°, 26°, 27°, 28°, 31°, 32°, 33°, 37º, 38°, 42°, 45°, 47°, 48°, 50°, 52°, 53°, 69°, 70°, 71°, 75° e 86° da douta fundamentação de facto, mas deveria a mesma ter sido dada como não provada;
28. Ao não o fazer o tribunal “a quo” violou o princípio da verdade material, o princípio da presunção da inocência, o dever de imparcialidade, o princípio do “in dubio pro reo”, o princípio da legalidade e das garantias do processo crime, princípios estes que a livre convicção do julgador não pode postergar. Ao ter julgado de facto de outra forma, para além de haver uma errada avaliação e valoração da prova produzida em julgamento e contradição insanável entre a prova produzida e a matéria de facto assente, violou o Tribunal “a quo” no seu douto Acórdão, reitere-se, o princípio da presunção de inocência do arguido, as garantias do processo crime, o princípio da verdade material, e o princípio da legalidade e o princípio da livre apreciação da prova;
29. Do que se vem de expor, e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, resulta que não se provou ou não se produziu qualquer prova de que o arguido T... praticou os crimes de que foi condenado;
30. Sem prescindir, quanto à pena de multa concreta aplicada, afigura-se-nos que a mesma é excessiva e desajustada não tendo o Tribunal “a quo” valorado nenhuma circunstância que depusesse a favor do arguido, a não ser o facto de este ser primário;
31. Aliás, o Tribunal “a quo” nem sequer solicitou oficiosamente, para a correcta determinação da sanção, a elaboração de um relatório social, que permitisse ao tribunal apurar as concretas condições sócio-económicas do arguido, omitindo uma diligência que se afigurava essencial para a descoberta da verdade e determinação da sanção e respectivo quantitativo, o que constitui nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos;
32. Acresce que se afigura existir, em consequência dessa omissão e da ausência desses factos relativos as condições sócio-económicas do arguido na fundamentação de facto, uma insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, o que aqui também se suscita para os devidos e legais efeitos.
33. Logo, o valor da multa foi determinado arbitrariamente, não tendo em conta as actuais condições sócio-económicas do arguido, sendo certo que se encontra desempregado, não auferindo qualquer rendimento ou subsídio. Aliás, a sua insuficiência económica motivou, no âmbito destes autos, o pedido do benefício do apoio judiciário, o qual lhe foi concedido na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
34. Pelo exposto, e sem prescindir o supra referido, e admitindo-se a prática dos crimes para mero efeito de raciocínio, deveria o Tribunal “a quo” ter optado por uma pena de multa inferior na sua duração e no respectivo quantitativo, próxima do limite mínimo.
35. Disposições violadas: as referidas supra e as V. Exas. suprirão, nomeadamente, artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 120°, n.º 2, b), 124°, 127°, 340°, 343°, 348°, 350°, 355°, 356°, 368°, 369° e 370° do Código Processo Penal e 70°, 71°, 72°, 258°, n.º 2, por referência à al. c) do n.º 1, em conjugação com o artigo 255°, alínea b), e 26°, todos do Código Penal.
Termos em que se deverá revogar a douta sentença, nos termos e pelas razões supra expendidas, absolvendo-se o arguido dos crimes em que foi condenado, ou se assim não se entender reduzir-se a multa e respectivo quantitativo próxima do limite mínimo.
Assim se fazendo, uma vez mais, justiça».
3 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada defendendo a improcedência do recurso (fls. 2551 a 2557).
4 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 2559.
5 – Neste tribunal, o Sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto.
6 – Realizada a audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões:
- A relevância das considerações feitas pela Sr.ª juíza presidente quanto às declarações dos arguidos em audiência;
- A relevância do prévio conhecimento dos autos;
- A impugnação da decisão de facto;
- A medida da pena aplicada.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A relevância das considerações feitas pela Sr.ª juíza presidente quanto às declarações dos arguidos em audiência
7 – O recorrente alega, no ponto 14 das conclusões da motivação que se transcreveram, que, «depois de todos os arguidos presentes terem manifestado o seu propósito de não prestarem declarações – com excepção do arguido M...que prestou declarações apenas confessando a prática do crime de falsificação e também da contra-ordenação imputada à sociedade de que é sócio gerente, e não sobre qualquer crime de falsificação de notação técnica – a Mma. Juiz Presidente decidiu, ao arrepio e em violação dos mais elementares direitos e garantias de defesa constitucionalmente consagrados (nomeadamente artigo 32.º, n.º 8 Constituição da República Portuguesa e artigo 343.º, n.º 1 do Código Processo Penal), na primeira sessão de audiência de julgamento, em 26-06-2008, avisar e pressionar – intrometendo-se ilegitimamente no exercício dos direitos de defesa e na privacidade da pessoa sujeita a julgamento – os arguidos a prestarem declarações e falarem sobre os crimes que lhe eram imputados».
Se, de facto, ouvirmos a gravação da primeira sessão do primeiro dia da audiência, realizada no dia 26 de Junho de 2008 (acta de fls. 2197 a 2204), verificamos que a Sr.ª juíza presidente, depois de ter identificado os arguidos e de eles terem declarado (salvo um deles e quanto a parte do objecto do processo) que não pretendiam prestar declarações, teceu considerações sobre uma tal atitude e sobre a sua adequação aos interesses da maioria dos arguidos. E apercebemo-nos também que, antes de iniciar a identificação dos arguidos e depois de ter cumprido o disposto no n.º 1 do artigo 343.º do Código de Processo Penal, informando-os, nomeadamente, de que eles tinham o direito ao silêncio e que não podiam ser prejudicados pelo exercício desse direito, disse que, se pretendessem prestar declarações, o deviam fazer com verdade por tal ser melhor para a sua defesa.
Este tipo de procedimento não constitui, a nosso ver, uma boa prática pois pode comprometer, em alguma medida, a posição de imparcialidade que o juiz deve manter ao longo do processo e transmitir uma ideia errada quanto ao respeito pelo direito do arguido e do seu defensor organizarem a defesa, não tendo, para além disso, suporte legal[1].
Trata-se, no entanto, de uma mera irregularidade que não foi formalmente arguida pelos interessados[2] e que não se reflectiu, de forma alguma, no acórdão proferido[3].
Por isso, uma tal ocorrência, que, de resto, tem a ver com o procedimento e não com a decisão impugnada, não assume qualquer relevo quando em causa está a apreciação do recurso do acórdão.
A relevância do prévio conhecimento dos autos
8 – Sustenta também o recorrente, no ponto 13 das conclusões da motivação, que «o Tribunal “a quo”, salvo melhor opinião e entendimento, antes mesmo de iniciar o julgamento e ser produzida a prova, já adquirira a convicção sobre a culpabilidade do aqui recorrente, através da leitura dos autos, particularmente de declarações e depoimentos que não estavam, nem vieram a ser produzidos em audiência de julgamento, apesar da iniciativa do Tribunal “a quo” nesse sentido – cf. actas de audiência de julgamento de 27-06-2008 e 10-07-2008 relativamente às determinadas (pelo Tribunal) leituras dos depoimentos das testemunhas BA... e C... prestados na fase de inquérito – e estava o mesmo (tribunal) determinado a proferir uma sentença de condenação».
Das actas da audiência a que o recorrente faz referência (fls. 2212/2 e 2312/3) verifica-se que a Sr.ª juíza presidente, por certo ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 323.º do Código de Processo Penal, tendo detectado contradições entre os depoimentos prestados na audiência por duas testemunhas nela inquiridas e aqueles que se encontravam registados nos autos de inquirição dessas mesmas pessoas elaborados na fase de inquérito, auscultou os restantes sujeitos processuais para saber se eles estavam de acordo em que se efectuasse a sua leitura [artigo 356.º, n.ºs 2, alínea b), e 5, do Código de Processo Penal]. Uma vez que os defensores não deram o seu acordo, essas leituras não foram realizadas, não tendo o tribunal atendido a esses autos para a formação da sua convicção.
O recorrente parece estranhar que a Sr.ª juíza presidente conhecesse o teor das declarações prestadas anteriormente pelas testemunhas e que tenha tido a iniciativa de auscultar os restantes sujeitos processuais sobre a eventual leitura de dois dos autos[4].
Dir-se-á, no entanto, que o conhecimento das diligências praticadas nas fases preliminares é propiciado[5], antes do mais, pelo facto de o legislador português de 1987 ter concebido os autos do processo penal como materialmente unos[6], assim se afastando quer da disciplina embrionariamente estabelecida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3 de Novembro, quer do modelo italiano que prevê a organização de dois fascículos e a remessa ao juiz de julgamento apenas daquele que contém, para além de outros elementos, as provas que podem ser valoradas para a formação da convicção do tribunal (em geral, as provas insusceptíveis de repetição ou que foram formadas mediante o exercício do contraditório[7]). E deriva de a lei atribuir ao juiz presidente o poder de, oficiosamente, ordenar a leitura de autos, poder esse que resulta da já citada alínea c) do artigo 323.º do Código de Processo Penal[8].
Embora se possa censurar este modelo de tramitação processual[9], que, contudo, e como regra[10], não propicia que os juízes adjuntos, que constituem a maioria de um tribunal colectivo, tenham também conhecimento desses elementos, não se pode minimamente afirmar que, por isso e sem mais, «o Tribunal “a quo” … antes mesmo de iniciar o julgamento e ser produzida a prova, já adquirira a convicção sobre a culpabilidade do aqui recorrente, através da leitura dos autos, particularmente de declarações e depoimentos que não estavam, nem vieram a ser produzidos em audiência de julgamento».
O facto de a Sr.ª juíza presidente poder ser influenciada na pré-compreensão dos factos não significa que ela e, muito menos, os restantes membros do tribunal colectivo tenham efectivamente sido influenciados por esse contacto anterior com a versão da acusação, ainda por cima quando o tribunal elaborou uma pormenorizada fundamentação em que deu plenamente conta das razões que, a seu ver, justificavam a decisão de facto proferida.
Nenhuma consequência processual decorre, pois, do facto de a Sr.ª juíza presidente ter tido prévio conhecimento do teor dos autos, mesmo daqueles que não puderam ser valorados para a formação da convicção do tribunal, e de ter auscultado os restantes sujeitos processuais quanto à sua eventual concordância com a leitura de dois autos que documentavam anteriores depoimentos prestados pelas testemunhas.
A impugnação da decisão de facto
9 – O arguido, como questão central do presente recurso, impugna diversos pontos da decisão de facto, não pondo em causa a prova admitida e valorada pelo tribunal ou a sua fiabilidade, nem invocando, a seu favor, qualquer outro meio de prova que contrarie aqueles que foram considerados na decisão recorrida.
Fundamenta a sua pretensão apenas no facto de a prova produzida ser indirecta e não ser suficiente para alicerçar a decisão de facto proferida, defendendo que se impõe, por isso, a sua absolvição.
Analisemos então esta questão.
10 – Deve, em primeiro lugar, dizer-se que não se coloca minimamente em causa a afirmação que o recorrente faz de que só se pode condenar um arguido «se da audiência de julgamento resultar a existência de prova que racionalmente possa considerar-se suficiente para desvirtuar» a presunção de inocência e que «tal só sucederá quando, por um lado, a prova produzida em audiência permita logicamente (no sentido de racionalmente, coerentemente, etc.) afirmar a presença, no caso concreto, de todos os elementos (objectivos e subjectivos) dos crimes trazidos a Juízo, e, por outro lado, conduza, nos mesmos moldes, à conclusão de que foi o arguido o responsável pela sua ocorrência».
De facto, em nosso entender, a presunção de inocência, para além de impor regras quanto ao tratamento do arguido no decurso do processo, tem importantes consequências no que respeita ao julgamento e ao modo como se formam e se produzem as provas[11].
Como afirma Illuminati, «a presunção de inocência como regra de julgamento está ligada à estrutura do processo e, em particular, à técnica utilizada para a prova dos factos. O seu integral respeito impõe a consagração de um sistema de tipo acusatório, do qual seja excluída a obrigação de o arguido demonstrar a sua inocência, recaindo sobre a acusação a obrigação de produzir prova plena da culpabilidade. Em caso de dúvida o juiz só poderá absolver, sem que para o absolvido decorram quaisquer consequências negativas»[12].
11 – Sustenta o arguido que «não há, nem houve, nem era possível, como o próprio Tribunal “a quo” acabou por reconhecer, a prova directa dos factos sujeitos a comprovação judicial na audiência de julgamento, ou seja, não foi, nem podia ser, produzida qualquer prova que incidisse directa ou imediatamente sobre os factos que integram o “thema probandum” do processo, nem sequer foram produzidos ou utilizados outros instrumentos de conhecimento e de representação judicial do facto que, ainda que não representando a realidade histórica fixada no referido “thema probandum”, pudessem ser-lhe reconduzidos através de uma inferência probabilística levada a cabo e assente, não em meras presunções, como efectivamente aconteceu, mas sim em indícios precisos, graves e concordantes». Acrescentando logo a seguir que «isto que vem de escrever-se adquire, num caso como o vertente, um particular relevo, já que, para além de não ter sido produzida qualquer prova directa, é diminuta e despicienda a prova indiciária reunida no processo e analisada em audiência».
Não se pondo em causa que, como o tribunal de 1.ª instância afirmou na fundamentação da decisão de facto, não tenha sido produzida prova directa[13] da prática pelo arguido dos factos por que foi condenado, não se pode, no entanto, deixar de dizer que não se aceita a desvalorização que à partida e implicitamente se faz da prova indiciária[14]. Como afirma Scapini, a sua «capacidade demonstrativa, que pode ser qualificada como “maior” ou “menor”, não é determinável de um modo apriorístico e puramente formal. Só em sede de valoração final do material probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova directa em relação à prova indiciária e vice-versa»[15]. «Um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova directa ou demonstrativa»[16].
A particularidade da prova indiciária ou circunstancial tem a ver com a necessidade de estabelecer «uma conexão inferencial por meio da qual o julgador estabelece um vínculo entre uma circunstância (o factum probans) e o facto em discussão (o factum probandum)»[17]. «Se esta inferência é possível, a circunstância é realmente probans, porque servirá para sustentar uma conclusão relativa à verdade de um enunciado sobre o facto em litígio»[18].
«O nível de apoio que uma versão do facto pode receber desta prova depende de duas ordens de factores: o grau de credibilidade que a prova confere à afirmação da existência do facto secundário; e o grau de credibilidade da inferência que assenta na premissa constituída por esta mesma afirmação». A credibilidade deste último factor «depende essencialmente da natureza da “regra de inferência” que se utiliza para extrair do facto secundário conclusões idóneas para confirmar o facto principal»[19]. E nem todas as regras de inferência, que são vulgarmente designadas como “máximas de experiência” e «incluem conhecimentos técnicos, leis científicas e simples generalizações do senso comum»[20], têm a mesma força.
Embora se trate de uma prova de natureza indutiva (em sentido amplo[21]) que, como todo o conhecimento baseado em raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável[22] [23] [24], não é, por isso, e à partida, menos fiável do que a prova directa[25], que também pressupõe operações de natureza indutiva. Desde logo aquela que tem a ver com o juízo sobre a credibilidade, por exemplo, da testemunha que afirma ter presenciado um determinado facto criminoso[26].
Colocadas as questões nos termos que consideramos serem os devidos, que não desconsideram nem subvalorizam a prova indiciária, deveremos dizer que a fundamentação de facto elaborada pela Sr.ª juíza presidente demonstra plenamente, através da indicação dos factos secundários provados (cuja veracidade não foi posta em causa) e das inferências que deles foram extraídas, o bom fundamento da decisão recorrida, que, para além do que já se disse, apenas é impugnado quanto à pertinência de algumas dessas inferências.
12 – Tal impugnação é feita, antes de mais, através do isolamento de cada um dos indícios. Depois de isolados e separados, o recorrente formula um juízo de debilidade quanto a todos eles, apontando um ou outro contra-argumento às ilações extraídas pelo tribunal.
Esse procedimento não é, a nosso ver, justificado porquanto a força probatória dos indícios resulta precisamente da sua independência, concordância e pluralidade.
Por isso, mesmo a reconhecida debilidade da força indiciária de alguns dos elementos de prova, como seja a identidade das colas (a usada nas instalações e a apreendida ao arguido), não tem a consequência pretendida pelo recorrente. Cada um desses elementos não pode ser separado do conjunto em que se insere e ser valorado autonomamente.
Também a ausência de um qualquer código de barras que ligue a aparelhagem electrónica adquirida pelo recorrente e a instalada nos oito veículos (código de barras que, por certo, a existir, não deixaria de ter sido removido) não contraria minimamente a conclusão extraída pelo tribunal.
Assim como não enfraquece essa força probatória conjunta o facto de o cheque de fls. 740 pertencer a uma conta da própria empresa de camionagem. É um facto. Assim como é um facto que ele foi emitido a favor do recorrente, nada levando a crer, antes pelo contrário, que a assinatura aposta no verso desse cheque não seja a do arguido (compare-se, por exemplo, com a que consta no auto de busca, a fls. 423), nem que a conta em que foi depositado o cheque não seja por ele titulada (ver n.º da conta aberta em seu nome na Caixa Geral de Depósitos a fls. 1434, que coincide com o aposto no verso do cheque).
O mesmo se diga quanto à pluralidade de fins para que podiam ser utilizados os componentes electrónicos por ele adquiridos. No contexto global, ou seja, atendendo aos restantes indícios e ao número de componentes adquiridos pelo arguido, o argumento utilizado pelo recorrente perde toda e qualquer força.
Assim, dada a independência, concordância e pluralidade dos indícios e a sua força probatória, que assenta em “máximas de experiência” fundadas e que não foi contrariada pela argumentação do recorrente, não pode deixar de improceder o recurso por ele interposto quanto a este segmento da decisão.
A medida da pena aplicada
13 – Resta analisar a questão da medida da pena.
Devemos, antes de mais, dizer que, lendo a motivação do recurso, ficamos sem saber se o arguido pretende impugnar as penas parcelares ou a pena única, ou se discorda de ambas, e, em grande medida, quais as razões dessa discordância.
O único argumento concretamente utilizado assenta no facto de o tribunal não ter pedido a realização de um relatório social, sustentando o recorrente que tal omissão integra uma nulidade.
Ora, salvo o devido respeito, mesmo que se tratasse (e não trata) de uma nulidade, esse era um vício do procedimento e não da decisão e é esta e não aquele que constitui o objecto do presente recurso.
Na verdade, não podemos confundir o “error in iudicando” com o “error in procedendo” e os vícios da decisão com os vícios do procedimento adoptado.
Citando Miguel Teixeira de Sousa[27], diremos que há que distinguir «o erro na apreciação da matéria de facto ou na aplicação do direito aos factos – o chamado “error in iudicando” – do erro proveniente da inobservância das regras de procedimento – o designado “error in procedendo”. O “error in iudicando” conduz ao proferimento de uma decisão injusta, sem que necessariamente ela esteja afectada por qualquer “error in procedendo”; este “error in procedendo” leva à prolação de uma decisão viciada, cujo valor é independente da eventual justiça da decisão. Por exemplo: uma decisão a que falta a fundamentação padece de um “error in procedendo” e é nula [artigo 668º, n.º 1, alínea b)], mas isso não significa que essa decisão seja injusta, isto é, que ela também esteja afectada por um “error in iudicando”».
Acrescenta o mesmo autor, logo a seguir, que «nos vícios da decisão incluem-se apenas aqueles que a ela respeitam directamente. Quer isto dizer que não é considerado um vício da decisão a realização de um acto não permitido ou a omissão de um acto obrigatório antes do seu proferimento: tais situações são nulidades processuais, submetidas, na falta de qualquer regulamentação específica, ao respectivo regime geral …».
Por isso, este tribunal apenas poderia apreciar esta questão se ela implicasse a existência de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, essa sim uma deficiência de que padeceria o próprio acórdão.
Não é isso, porém, o que acontece nestes autos.
Embora se desejasse que tivesse sido alcançado um mais aprofundado conhecimento da personalidade e da situação socio-económica do arguido (para o que ele também poderia ter contribuído, diga-se) a matéria de facto provada permite conhecer, não só, como o recorrente afirma, o facto de ele não ter antecedentes criminais, mas também a sua profissão, as suas competências técnico-profissionais, o tipo de actividade profissional que tem desenvolvido, os termos em que ela tem sido exercida e, através desses factos, a capacidade que o arguido tem para angariar meios de subsistência.
Nada disso é alterado pelo facto de, no dia 4 de Agosto de 2008, já depois de ter sido publicado o acórdão, o arguido ter pedido à segurança social a concessão de protecção jurídica e de esta lhe ter sido concedida (fls. 2536 a 2538). Nada disso, de resto, consta, nem podia constar, da matéria de facto provada, única em que pode assentar a decisão a proferir por este tribunal.
Dito isto, resta acrescentar que não se vê, nem o recorrente aponta, qualquer fundamento para alterar a medida de cada uma das penas parcelares e da pena única, que bem reflectem o desvalor da acção, o qual se reflecte na culpa, e as necessidades de prevenção, geral e especial, que no caso se verificam.
O tribunal atendeu e valorou correctamente os factores pertinentes para a determinação da sanção, nada havendo a objectar a tal respeito.
Improcede, por isso, também quanto a esta questão, o recurso interposto.
A responsabilidade pelas custas
14 – Uma vez que o arguido decaiu no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal).
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º do Código das Custas Judiciais a taxa de justiça varia entre 2 e 30 UC.
Tendo em conta a situação económica do arguido e a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em 7 UC.
III – DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido T....
b) Condenar o recorrente no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa em 7 (sete) UC.
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